Psicodália: festival do fim do mundo

Antes de qualquer coisa, antes de qualquer descrição, devo fazer um apontamento que, a princípio, não parece ter muito a ver com o tema: começo contando sobre o que considero ser a entidade Deus. Tenho formação católica e inclinações agnósticas, e essa ideia do divino, para mim, compreende tudo aquilo que a Ciência não consegue explicar (ou cujo aprofundamento poético seria limitado pela racionalidade). Quando algo é impactante o suficiente para que qualquer um se sinta transformado em alguém diferente, bem, atribuo isso não somente ao esforço e desenvolvimento do indivíduo. A força motriz de todo esse potencial, não me saiu da cabeça, essa parte que ninguém sabe de onde veio ou para onde vai é produto de algo superior.

Começo, agora, a narrar, por uma série de textos, como foram meus dias em um festival na Fazenda Evaristo, Rio Negrinho (SC), ao lado de cerca de 6 mil outras pessoas e muitas, muitas bandas e atrações: sejam bem-vindos ao Psicodália, ou o que chamo de meu encontro com Deus.

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Meu choro não é nada além de Carnaval

Depois de sairmos de um estacionamento com centenas de carros, começamos nossa ida a um dos locais de campings em que amigos nossos já haviam se arrumado. Por um caminho de pedras, gramado e árvores em volta, timidamente, barracas foram aparecendo. Rodas de amigos tocavam instrumentos em alguns pontos, cantavam e dançavam. Algo em comum entre as pessoas vistas: um sorriso no rosto e uma tranquilidade não comuns.

Chegando à área aberta, tem-se noção do tamanho do local. Dois grandes palcos estavam montados, o Solar e o Lunar. A quantidade de gente, aqui, também foi imaginada, e, espalhados por grandes áreas verdes, muitos estavam, sob o sol de meio-dia e um céu azul, deitados sem preocupação, em cangas ou mesmo no chão. Havia manifestações artísticas, havia despreocupação com o tempo, havia um clima permanente de serenidade.

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Montadas as barracas, fomos conhecer o lago. E que lugar! Nunca com gente demais, o respeito ao próprio corpo e ao corpo alheio eram visíveis. Homens, mulheres, crianças, adolescentes, adultos e idosos… Pessoas vestidas, pessoas nuas! Um som de violão ao fundo e a descontração de uma tarde de domingo eterna (ainda era sábado, veja bem).

Durante o tempo de permanência no festival, a relatividade do tempo se mostra mais que concreta. Não era difícil que filas para comer uma pizza ou mesmo tomar um banho se tornassem uma grande reunião de amigos que nunca se viram. Era tanta informação e tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que a obrigação do dia a dia e a escravidão do relógio se tornava quase obsoleta em um sistema que respeita os limites do próprio ‘eu’.

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Tratava-se de um local em que o celular (daqueles que ainda o utilizavam, claro) poderia ser carregado no meio do acampamento em tomadas públicas sem supervisão alguma. Seus donos voltavam buscá-los horas depois sabendo que o encontrariam no mesmo ponto, talvez com outros três em cima. Não sei de história negativa alguma, mas, ainda que soubesse, mesmo cogitar uma ação do tipo em uma cidade grande (ou nem tanto assim) é não só utópico como ingênuo. Foram quatro dias de barraca aberta sem receio de invasão de privacidade!

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É lágrima de samba na ponta dos pés

Claro, as exigências físicas e psicológicas de se viver algo parecido com o que oferece o Psicodália são altas. O cuidado constante com o sol, alimentação, o cansaço e mesmo eventuais pisadas em formigueiros (não que eu tenha feito isso, claro que não!) fazem parte do dia a dia. A convivência com tantas outras pessoas transforma relações e estabelece novos horizontes e valores a todo momento.

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Chorar, sorrir, gritar, gargalhar ou apenas querer se isolar de tudo: sempre haveria um espaço. Sempre haveria alguém parando para lhe perguntar se poderia ajudar em algo. Andando pelos campings, sempre haveria alguma canção ou alguma manifestação artística ou de amigos que tocaria o coração. Era comum se ver envolvido em cantorias com estranhos e abraçá-los depois. Era comum não ter medo de se expressar. Era comum ser exatamente aquilo que se é, o que, Leminski diz, nos leva além!

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Portanto, acampar no Psicodália e estar perto de tantas experiências a todo momento é dar de cara consigo mesmo e repensar valores. É encontrar Deus em uma multidão avançando como vendaval. É jogar-se na avenida sem saber qualé. É cantar até o fim.

Atrevo-me a dizer que viver o Psicodália só acaba com a morte: deixei pedaços meus em cada canto da Fazenda Evaristo e trouxe tantos outros comigo.

Confira também: Psicodália: palcos dos senhores da música

Fique ligado, pois nos próximos dias sairão mais matérias sobre o evento.

Por Alex Franco
14/02/2016 21h03